A deterioração do cenário externo foi "uma espécie de gatilho" para a desaceleração da economia brasileira, que cresceu a taxas mais fortes nos últimos anos em grande parte devido ao boom de commodities e à forte demanda externa por seus produtos, diz Barry Eichengreen, professor de Economia e Ciência Política da Universidade da Califórnia, em Berkeley, nos Estados Unidos. Para ele, o país precisa enfatizar o investimento em capital humano e o aumento da produtividade para voltar a crescer mais, dados os limites do consumo para impulsionar a economia e o delicado quadro internacional. O americano será um dos principais convidados do seminário "O Brasil e o Mundo em 2022", patrocinado pelo BNDES em comemoração aos seus 60 anos. O evento vai ocorrer no Rio de Janeiro nos dias 23 e 24, no Espaço Tom Jobim.
Para Eichengreen, é "compreensível" que o crescimento do Brasil tenha caído para níveis mais baixos num momento em que pioram as perspectivas para os preços de commodities e as condições externas se deterioraram. Nesse cenário, é um desafio crescer 4% ao ano, um nível que, segundo ele, o Brasil deveria ter como meta. No entanto, como o país tem espaço para aumentar a produtividade e a força de trabalho é crescente, é possível almejar esse objetivo, desde que o país siga "boas políticas".
De acordo com Eichengreen, "todo mundo sabe" que o Brasil precisa investir mais em educação e capacitação e elevar a produtividade no setor manufatureiro. "O Brasil tem algumas indústrias exportadoras líderes, algumas histórias famosas de sucesso, e precisa de muito mais histórias como essas", afirma ele, lembrando que, nos últimos anos, muito se ouviu falar da nova classe média brasileira e da importância do consumo.
A experiência de países como Grécia, Espanha e Portugal, porém, mostra que, se a economia depende demais da demanda interna, a tendência é que isso cause problemas em algum momento, diz ele. "O que o Brasil precisa investir em educação, capacitação e treinamento, e aumentar a produtividade, e o consumo não faz isso."
Eichengreen afirma que os juros mais baixos e o câmbio mais desvalorizado ainda não surtiram efeito sobre a atividade porque isso leva tempo. "Nós sabemos pelas evidências históricas que cortes de juros e movimentos na taxa de câmbio demoram pelo menos nove meses antes que os impactos se façam sentir completamente na economia", diz. Ele pondera, porém, que o real parece seguir num nível ainda forte, prejudicial à competitividade do exportador, apesar da recente desvalorização.
O economista americano vê o desenrolar da crise europeia com preocupação. Para ele, a decisão da cúpula da União Europeia no fim de junho, de fazer uma recapitalização direta dos bancos e caminhar para uma união bancária, é um passo importante, mas ainda há problemas nada desprezíveis. Como as medidas não são para agora, continua sem solução a questão dos bancos subcapitalizados, que não emprestam, por exemplo. "O segundo problema é que a crise bancária é apenas uma parte da crise europeia", ressalta Eichengreen. Há também uma crise da dívida soberana, uma de crescimento, uma de competitividade e uma política. "O acordo para criar uma união bancária é parte da solução, mas apenas uma parte. E há uma oposição muito forte à ideia crescendo na Alemanha."
Segundo Eichengreen, na Alemanha e nos países do norte da Europa permanece o desejo de se mover lentamente, e de apenas usar o dinheiro dos contribuintes para recapitalizar os bancos depois de que todas as instituições e salvaguardas estiverem prontas. "No entanto, se a crise piorar outra vez, com sinais de corrida bancária na Espanha ou na Itália, eles vão retornar ao assunto e agir mais rapidamente. Mas este é obviamente um modo muito perigoso de agir. Seria muito melhor fazê-lo antes da intensificação da crise."
Ele também critica o excesso de ênfase na austeridade fiscal que há em toda Europa. "Ela não está funcionando para eliminar os déficits fiscais porque deprime a atividade econômica e, com isso, afeta as receitas de impostos." Outro problema é que, com uma situação econômica delicada, perde-se o apoio político para reformas estruturais. "Está claro que eles precisam de uma estratégia diferenciada, o que significa menos austeridade agora e mais austeridade depois. Além disso, é importante que haja menos austeridade em países do norte da Europa que têm espaço fiscal. Em terceiro lugar, se a política fiscal vai ser contracionista, outra política tem que ser expansionista, e o Banco Central Europeu (BCE) não tem respondido adequadamente", avalia Eichengreen.
Para ele, o BCE deveria adotar o chamado afrouxamento quantitativo - a política monetária ultraexpansionista, de compra de títulos, que teria como um dos efeitos um euro mais fraco em relação a outras moedas, e isso ajudaria no crescimento. "Mais crescimento na Europa ajudaria a fortalecer o apoio político às reformas e a melhorar os resultados fiscais", diz.
Eichengreen diz que um colapso do euro seria muito pior do que foi a quebra do Lehman Brothers em 2008, causando uma catástrofe financeira. Devido a essa avaliação, a sua percepção sempre foi a de que os líderes europeus fariam o necessário para manter a união monetária. "Mas, à medida que a crise continua, eu, como todo mundo, fico menos confiante de que eles farão o necessário."
Nesse cenário, a Europa caminha para a sua década perdida, sem crescimento, dada a falta de capacidade de promover reformas, sustentar a demanda e encorajar a oferta. Dada a demografia desfavorável, com envelhecimento da população e força de trabalho estagnada ou encolhendo, os países europeus já caminhavam para um período longo de baixo crescimento, diz ele. A incapacidade de combater a crise tende a levar a algo pior - uma era de estagnação.
Eichengreen não se mostra otimista em relação aos EUA. Para ele, o país deverá evitar o risco de uma contração fiscal violenta em 2013, impedindo a combinação de um forte corte de gastos e uma alta exagerada de impostos, mas não vai resolver a questão de vez. Ele acredita ainda que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) caminha em direção à terceira rodada de afrouxamento quantitativo, pois, com exceção do mercado imobiliário, sobram indicadores ruins, das vendas no varejo à produção industrial, passando pela confiança do consumidor. Para ele, o Fed já deveria ter sido mais agressivo e adotado essa política.
O economista acredita que a China vai driblar o risco de um pouso forçado, mas vai insistir nos estímulos ao investimento e às exportações. Com isso, adiará a mudança em prol da maior ênfase ao consumo privado, vista como necessária pela maioria dos analistas. Os desequilíbrios chineses, desse modo, vão continuar a crescer.
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