Luciana Coelho de CHARLOTTE, CAROLINA DO NORTE
Bill Clinton tem 69% de popularidade hoje, e esse número não é por acaso.
Ok, piadas à parte, não é mesmo. Com seus improvisos, seu sotaque sulista e sua linguagem direta, o ex-presidente democrata (1993-2001) roubou não só a noite desta quarta. Ele roubou provavelmente a convenção toda (o que é tipicamente clintoniano). Ou a temporada de convenções toda, republicanos incluídos.
Seu discurso foi hábil, empolgante, fluido e, em vários pontos, informativo (certamente o foi no momento em que ele esclareceu que o governo Obama não cortou, mas aumentou, as exigências de busca de trabalho para receber o seguro-desemprego. Outros trechos, verdadeiros, receberam um recorte favorável ao partido, porque obviamente o objetivo de tudo isso é fazer os democratas saírem bem na foto).
E aí está a genialidade retórica de Clinton — você pode não concordar com o sujeito em algumas coisas (ou em nada, dependendo de sua posição), mas não há como não achar que o que ele diz faz sentido. Do lado republicano, hoje, só Paul Ryan tem uma habilidade lógica do tipo, mas ainda está longe de ter o mesmo carisma.
Não há como não prestar atenção no que ele está dizendo e refletir a respeito. Clinton fez um governo longe, muito longe de perfeito, mas seu apelo à razão do eleitor, deixando de lado questões mais emocionais como aborto, religião, casamento gay, sindicalismo e outros temas que os democratas defenderam por toda a convenção, fala diretamente a quem não se registra em nenhum dos partidos.
Ele é o campeão do cervejômetro — aquela pergunta desgastada, com qual presidente/candidato/político você preferiria tomar uma cerveja.
Ao mesmo tempo, a figura do ex-presidente que soube navegar numa maré boa e deixou o governo marcando o último período de bonança dos EUA (a desregulamentação que ele promoveu no setor financeiro estouraria na mão de Bush e Obama, afinal) é, sozinha, um apelo emocional. Do lado republicano, seria meio como ressuscitar Reagan. Sua simples presença ali no palco já remete o eleitor a um tempo de vacas mais gordinhas.
E o truque cênico de se curvar a Obama e dizer que lhe passa a bandeira do partido? É o equivalente a dizer “se você confia em mim, confie nesse cara aqui”..
Nas ruas de Charlotte, depois que ele falou, o clima era de festa. As pessoas circulavam com um sorriso no rosto. Os bares e restaurantes estavam cheios — era meia-noite, é um dia de semana, e isso é muito, muito incomum nos EUA, como quem vive aqui sabe. As ruas estavam lotadas. Nos bares de esportes, as TVs estavam todas ligadas nos diferentes noticiários, que mostravam repetidamente a imagem rosada e ex-gorducha do ex-presidente. Parecia que estava todo mundo achando que o Obama tinha ganho, ali, a eleição.
Boa parte desse público era de representantes partidários, boa parte era de gente comum, querendo participar. Diferentemente da convenção republicana, os democratas aproveitam seu evento não só para “vender” seu candidato, mas para promover todo tipo de ativismo de esquerda — feminista, pró-gays, pró-imigrantes — e o mais importante de todos eles, registrar gente para votar (aqui, isso não é obrigatório).
Sabemos, pelas pesquisas, que Obama se ampara em muito no voto das minorias. Ele é preferido por cerca de 90% dos negros, dois terços dos latinos, cerca de 60% dos jovens (esta minoria, aliás, começa a se esvair) e pouco mais da metade das mulheres (que já deixaram de ser minoria). Isso fica claro aqui em Charlotte. Claro que há homens brancos, mas eles não são majoritários como na convenção republicana.
No caso específico dos negros, eles parecem irredutivelmente dispostos a dar outra chance para Obama só pelo por causa do que ele representa. Sim, as pessoas ainda se comovem falando disso.
Perguntei a um taxista (negro) em quem ele votaria. “Você sabe em quem eu voto”, ele retrucou. “Mas você não se desapontou com o governo Obama?”, perguntei. “Um pouco. Mas ele ainda é o meu chapa.” (He is still my man).
*Jornalista da Folha de São Paulo
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