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quarta-feira, 21 de maio de 2025

O Agente Secreto é fantástico thriller com Wagner Moura no Brasil de 1970


Em muitos sentidos, espionagem é a arte do apagamento. Uma pessoa apaga seu nome, esconde sua história e ofusca suas intenções e parte para o território desconhecido buscando não deixar rastros. Não é à toa que Kleber Mendonça Filho tenha escolhido este gênero, ou ao menos seus ossos, para pautar seu misterioso, grandioso e triste O Agente Secreto, um exame de como uma borracha é passada por cima de pessoas e lugares no Brasil que existe em inevitável conversa com Ainda Estou Aqui Retratos Fantasmas, filme anterior do diretor recifense. É para a cidade de Mendonça que Marcelo (Wagner Moura) está indo na cena de abertura que descreve o Brasil de 1977 como um local de pirraça. É justo dizer que é isso que o espera na capital pernambucana. Por que Marcelo está fugindo e de quem são detalhes melhor guardados, mas também é justo dizer que o regime militar não facilita sua vida, e essa ambientação – trazida à vida com um trabalho de recriação visualmente maravilhoso – dá a O Agente Secreto campo fértil para KMF fazer o que faz de melhor: usar pilares do cinema de gênero para discutir temas relevantes para o Brasil e para o mundo. Assim como faroestes corriam por baixo da pele de Bacurau, filmes de espiões informam as cenas de telefonemas escondidos, identidades falsas e perseguições intensas. Não se trata, porém, de um exercício de linguagem simples. O Agente Secreto tem uma clara ideia do que movimenta sua história. Neste Brasil, gerido por chefes de indústrias e policiais corruptos, forças que se beneficiam de seus contatos para fazer com que documentos desapareçam, ou sequer venham a existir. É como se as circunstâncias transformassem tudo e todos em agentes duplos, mas ninguém sabe sua missão e as informações verdadeiras estão sendo sistematicamente trancadas em cofres inacessíveis. O passado da família de Marcelo está incluso nisso, e quando ele começa uma nova vida, ele está tão interessado em descobrir quanto em não ser descoberto. 


Para concluir essa tarefa, Marcelo passeia por ruas e prédios que serão instantaneamente reconhecíveis para recifenses, seja por que permanecem de pé contra todas as expectativas – como a Praça do Sebo e o cinema São Luiz, também o foco de Kleber em Retratos Fantasmas – ou por que serão portais para o que um dia havia lá, mas hoje não existe mais. Essa discussão, porém, é crucial para todo o Brasil, como mostrou Ainda Estou Aqui, e o desaparecimento sem registros tem sido um dos focos do cinema global (só no último Oscar: Sem Chão, O Reformatório Nickel, Sugarcaneentre outros). Escrever tão cedo sobre o filme apresenta um desafios, já que a melhor maneira com a qual O Agente Secreto aborda essa ideia vem numa revelação do roteiro que, se eu fosse apostar, ficaria de fora de toda a divulgação e marketing. O texto é organizado de uma maneira que ajuda a contextualizar toda a narrativa se não em fatos históricos, mas na sensação da história. É como se o longa fosse transformado num relatório, e alguém estivesse tentando entender o que aconteceu. Mais do que truques, o roteiro escrito por Kleber Mendonça Filho parece adicionar camadas ao enredo, que brinca com mitos e verdade para sublinhar a ideia de que, ainda que esse filme seja uma ficção, ele fala de questões profundamente reais – algo que é sublinhado por um inesquecível e hilário uso da ideia folclórica da Perna Cabeluda. Os detalhes da cena são uma surpresa melhor guardada, e só são superados em graça pela carismática dona Sebastiana (Tânia Maria), a dona do prédio onde Marcelo mora que precisa reter informações, mas adora uma fofoca.

Não é à toa que um dos cenários mais importantes para o filme é o São Luiz. Sempre interessado nos cinemas como locais de registro, onde a arte reflete e preserva a vida cotidiana, além de oferecer um ambiente comunal cada vez mais raro nas cidades, Kleber traz este templo do Recife para o centro da narrativa. Ali, Marcelo encontra um local para respirar, como se estivesse protegido pelo poder dos filmes de manter coisas vivas. Como este personagem, Wagner Moura entrega uma atuação de nuances e tristezas, mas também de um homem em ação. Em seu olhar, há um pesar palpável – o principal aliado para que ele não vire um avatar da audiência, passeando pela cidade e pelos mistérios como um guia, mas permaneça uma pessoa com quem nos importamos, e portanto, que não queremos ver ser apagada. À sua volta, figuras como Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Alice Carvalho, Carlos Francisco e outros oferecem temperos de romance, humor e suspense em papéis de adversários e aliados nessa jornada para fugir do esquecimento e da violência. Independente do sucesso de Marcelo em conquistar essa liberdade, O Agente Secreto conclui com uma dose potente de melancolia. Não é algo derivado de um único acontecimento, mas um reconhecimento geral de que a luta dele é apenas uma, de que pessoas são mortas e construções são demolidas para dar lugar a outras coisas, tipicamente mais rentáveis, e de que o Brasil segue entendendo, ainda, o grau do que foi perdido em sua história. Para Kleber Mendonça Filho, isso não é algo que se resume à ditadura. É um elemento infelizmente inseparável do verde-amarelo, algo que existia antes dos militares e que até hoje nos afeta. Assim, O Agente Secreto é posicionado como uma espécie de épico, escancarando de forma intrigante através da dinâmica espiã de revelar segredos aquilo que foi varrido para baixo do tapete.

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