O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, ontem, por seis votos a
cinco, que 12 dos 25 réus condenados no mensalão vão poder interpor
embargos infringentes para questionar as sentenças. Com essa decisão,
que foi tomada após o voto de desempate do ministro Celso de Mello, a
Corte terá que fazer um novo julgamento com relação a todas as
condenações que foram impostas por formação de quadrilha e sobre várias
punições de lavagem de dinheiro, que poderão ser derrubadas.
No julgamento dos infringentes, os ministros vão rediscutir os fatos
que levaram à condenação por formação de quadrilha do ex-ministro-chefe
da Casa Civil José Dirceu, do deputado José Genoino (PT-SP), do
publicitário Marcos Valério, de seus ex-sócios Cristiano Paz e Ramon
Hollerbach, do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, da ex-presidente do
Banco Rural Katia Rabello e do ex-dirigente da instituição José Roberto
Salgado. Já o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), o ex-assessor do PP
João Claudio Genu e o ex-sócio da corretora Bônus Banval Breno Fischberg
vão poder contestar as penas por lavagem de dinheiro. Simone
Vasconcellos, ex-secretária de Valério, foi condenada por quadrilha e
teve essa pena prescrita, mas também pode recorrer para retirar a
punição da sentença.
As defesas não vão poder produzir mais provas, como pedir a tomada de
depoimentos nem apresentar novos documentos à Corte. Mas os ministros
vão refazer um debate, que já fizeram ano passado, no qual será
contestada a concepção de que o mensalão foi uma quadrilha utilizada
para desviar dinheiro público e comprar apoio político no Congresso.
Será, portanto, um novo julgamento sobre os fatos do mensalão.
O ministro Luiz Fux foi escolhido, por sorteio, como o relator dos
embargos infringentes. Ele foi favorável à maioria das condenações tanto
no julgamento, no ano passado, quanto nos embargos de declaração, neste
ano. Fux foi o ministro que mais seguiu os votos do presidente do STF e
relator do mensalão, ministro Joaquim Barbosa.
Apesar de a escolha do relator dos infringentes ser péssima para os
réus, eles foram vitoriosos ontem. Além de aceitar os novos embargos, o
STF aumentou de 15 para 30 dias o prazo para eles recorrerem. Nessa
votação, 7 dos 11 ministros concluíram que o processo é complexo, há
vários réus e o tribunal deveria manter a coerência com relação aos
embargos declaratórios em que já foi dado prazo estendido para recursos.
Os 30 dias serão contados a partir da publicação do acórdão (resumo
da decisão) dos embargos declaratórios no "Diário de Justiça". Ao todo, o
STF tem 60 dias para fazer essa publicação, prazo que é contabilizado
desde 5 de setembro. O acórdão só será encaminhado para publicação
quando todos os ministros concluírem a revisão de seus respectivos
votos. "Peço a todos que liberem os seus votos", conclamou Barbosa aos
demais integrantes do tribunal.
Esse novo julgamento ainda não tem data para ser realizado. A
estimativa é de que os infringentes cheguem à Corte entre o fim de
novembro e o começo de dezembro. Com isso, será difícil para o tribunal
julgar esses recursos neste ano. O STF entra em recesso em 20 de
dezembro e só retoma as atividades em 3 de fevereiro, data a partir da
qual é provável que o julgamento seja realizado.
Derrotado na votação sobre o cabimento dos infringentes, Barbosa
acelerou a realização do sorteio do relator. O presidente alegou que o
ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares já entrou com esse recurso e, com
isso, não seria necessário esperar pelos novos infringentes para definir
quem vai comandar o processo daqui para frente.
Como presidente, Barbosa permanece conduzindo as sessões do mensalão.
Apesar de perder o controle sobre o processo, ele é próximo de Fux e
certamente chegará a entendimentos com o novo relator a respeito de como
os infringentes serão julgados. Foi Fux quem fez a homenagem a Barbosa
quando ele assumiu a presidência do STF, em novembro.
A sessão de ontem foi marcada pelo voto de Celso de Mello. Ao longo
de duas horas e cinco minutos, o decano defendeu o direito de os réus
entrarem com mais recursos para contestar as penas do mensalão. "O
processo penal representa garantia de qualquer réu em cujo favor devem
ser assegurados todos os meios e recursos inerentes à defesa, sob pena
de ilegalidade dos atos de persecução estatal", justificou.
O decano defendeu ainda que o tribunal não deve tomar decisões para
agradar a opinião pública. "Os julgamentos do STF, para que sejam
isentos e imparciais, não podem se submeter a pressões externas, sob
pena de negação de garantias inestimáveis e essenciais mediante a
instauração em juízo do devido processo penal", disse Mello, enquanto
manifestantes protestavam na frente do prédio do tribunal. "A
legitimidade do Poder Judiciário não repousa na coincidência das
decisões judiciais com a vontade de maiorias contingentes, mas na
aplicação do direito sob critérios de correção jurídica", continuou o
ministro.
Ao fim, Mello se juntou à corrente dos ministros Luís Roberto
Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, José Antonio Dias Toffoli e Ricardo
Lewandowski, que concluíram que o Regimento Interno do próprio STF
prevê a possibilidade de os réus entrarem com infringentes. Ficaram
vencidos os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Cármen Lúcia Antunes
Rocha, Luiz Fux e Joaquim Barbosa, que entenderam que o artigo 333 do
Regimento, no qual estão previstos os infringentes, foi revogado pela
Lei nº 8.038, que regula os processos penais nos tribunais superiores e
se omite sobre esse tipo de recurso.
Os infringentes poderão ser interpostos nos casos em que houve pelo
menos quatro votos pela absolvição dos réus em 11 possíveis. Nos casos
das condenações por quadrilha, o placar foi de seis votos a quatro. No
futuro julgamento dos infringentes, esse placar já vai começar reduzido
para cinco votos a quatro, pois Carlos Ayres Britto, que, no ano
passado, votou por condenações, se aposentou. As expectativas dos réus
estão também nos futuros votos dos ministros Zavascki e Barroso, que não
participaram das 53 sessões do mensalão, em 2012. O primeiro já se
manifestou a favor de reduções de penas aos réus no julgamento dos
declaratórios. O segundo afirmou que a Corte não deve se submeter às
pressões da opinião pública em suas votações. Ambos foram indicados pela
presidente Dilma Rousseff, após o início do julgamento do mensalão.
Se forem vitoriosos nos infringentes, Dirceu, Delúbio e João Paulo
vão sair do regime fechado de prisão para o semiaberto, no qual teriam
que dormir na prisão, mas poderiam ficar livres durante o dia.
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