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segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Visita suspensa, como ficam Brasil e EUA

Sergio Leo
As negociações preparatórias da visita de Estado da presidente Dilma Rousseff a Washington, segundo fontes que acompanharam as discussões, já haviam chegado a uma "linguagem" inédita para concluir o encontro com uma manifestação de simpatia do presidente Barack Obama às pretensões brasileiras a um assento permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Eram certas, também, concessões de lado a lado para permitir o uso da base de lançamentos de Alcântara pelos EUA ou parceiros que usem tecnologia sensível americana. A sombra de novas revelações bombásticas sobre espionagem americana, porém, e levou ao adiamento, indefinido, da visita.
Todo o incidente terá pelo menos um efeito negativo para a relação bilateral: no entorno mais próximo de Dilma, defende-se que os projetos e programas de cooperação em segurança e defesa com o governo americano passem por uma grande reavaliação, se não forem simplesmente cancelados. Seriam preservados apenas os grupos de trabalho criados para avançar propostas de cooperação bilateral, em temas como energia, educação, ciência e tecnologia.
Adiamento ou cancelamento, não importa: no governo brasileiro, não há quem aposte sinceramente na possibilidade de uma viagem da presidente aos Estados Unidos no ano que vem, em plena campanha eleitoral. Uma visita de Estado de Dilma a Obama, portanto, depende, agora, da reeleição da presidente.
Encontro com Obama caminhava para ganhos tímidos
Dilma aproveitará seu discurso de abertura na Assembleia das Nações Unidas, em Nova York, amanhã, para reivindicar mecanismos de controle contra a espionagem na internet e condenar a ação americana. Logo em seguida falará Obama, como é tradição. Espera-se, em Brasília, que o cancelamento da visita de Estado aumente o interesse pelo discurso da presidente.
Há grande risco, porém, que as atenções nos EUA estejam voltadas a outro pronunciamento, o do recém-eleito presidente do Irã, Hassan Rohani, que deve ter um histórico encontro com Obama às margens da Assembleia Geral e marcará sua diferença em relação às diatribes anti-Israel que fizeram fama do antecessor Mahmoud Ahmadinejad. A competição com o iraniano é difícil, mas não tira importância do discurso de Dilma.
Ao reagir contra o impeachment do presidente do Paraguai Fernando Lugo, em um processo que não lhe deu oportunidade legítima de defesa, Dilma conteve governos sulamericanos, como o da Venezuela, que defendiam medidas de boicote ao Paraguai, e limitou a reação, no continente, à manifestação política, de isolamento do novo governo paraguaio.
Os conselheiros de Dilma veem no discurso na ONU uma oportunidade de novamente apontar o tom da reação do continente a um fato inaceitável, a espionagem dos EUA. Sem arroubos retóricos, nem generalizações antiamericanas, com um apelo ao direito internacional.
Visitas de Estado são a oportunidade de fazer mover projetos e decisões atolados na burocracia. Obter dos EUA uma declaração mais favorável ao assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (sabendo-se que esse clube fechado não vai abrir-se a novos sócios tão cedo) ou viabilizar a chegada dos americanos em Alcântara não são o tipo de avanço que eliminasse o desgaste de lidar com possíveis novas revelações sobre o alcance da bisbilhotice dos espiões dos Estados Unidos.
A revelação de que a NSA espionava o Brasil e ainda se gabava em seminários internos de ter acesso a mensagens da própria presidente da República e comunicações sigilosas da Petrobras interrompeu no segundo semestre o trabalho de diplomatas e especialistas dos dois países dedicados a detalhar acordos de parcerias em áreas como informação, tecnologia e acordos de associação no setor privado. Salvou-se um seminário sobre inovação, realizado há duas semanas, que deve resultar, em breve, em anúncios de parcerias entre empresas brasileiras e americanas. Mas, desde agosto, os dois governos só debatem como reduzir o dano das revelações de espionagem sobre um país teoricamente amigo.
Como apontou esta coluna no início do mês, Dilma considerava a visita de Estado principalmente uma oportunidade simbólica de reafirmar o interesse por uma "parceria estratégica" com os EUA. Esse simbolismo foi estrangulado pelos grampos dos espiões da NSA, a agência de bisbilhotice americana.
Em debate, na sexta-feira, em Washington, no Interamerican Dialogue, importante centro de estudos americano, o especialista João Augusto Castro Neves e o embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), ambos críticos severos da política externa atual, apoiaram a decisão de Dilma, pelo adiamento.
Castro Neves lembrou que uma possível revelação de novos abusos da NSA durante a visita teria efeito desastroso. "Vir aqui para apontar dedos acusatórios um ao outro não ajudaria", comentou o especialista, notando que, nos manifestos dos governos dos EUA e do Brasil ficou claro o esforço de não contaminar a agenda bilateral com o escândalo da espionagem.
Rubens Barbosa, em uma análise primorosa (acessível em www.is.gd/1VJYoY), apontou o risco de uso ideológico do escândalo nas eleições de 2014, e falou da necessidade de maior atenção dos EUA ao Brasil, que merece o status já conferido por lá a Coreia, Turquia e Índia.
O Brasil também precisa decidir o que quer dos americanos, disse Barbosa. O fato, concluiu ele, é que os avanços na relação bilateral dependem menos dos governos que da ação decidida do setor privado nos dois países. Enquanto isso, ficarão, Brasil e EUA, limitados à rotina do dia a dia, do "business as usual".
Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. Escreve às segundas-feiras
E-mail: sergioleo.valor@gmail.com

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