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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

A intelligentsia baiana em crise


Paulo Ormindo de Azevedo *

O termo designava a elite intelectual russa do século XIX, mas tem sido aplicado a outros contextos. A Bahia sempre teve uma intelligentsia política. Trataremos especificamente das seis primeiras décadas do século passado. Ela era formada por intelectuais conservadores e de centro esquerda cooptados pela política no período de Vargas e no breve hiato democrático pós-Vargas. Independente de suas orientações ideológicas eram grupos indiscutivelmente competentes e engajados na ação política. Muitos deles chegaram a ministros de estado e se destacaram como intelectuais no plano nacional.
Podemos citar lideranças como J.J. Seabra, Otavio Mangabeira, Luiz Viana Filho e candidatos como Rui Barbosa e Pedro Calmon, ainda que derrotados nas urnas. Em um segundo escalão, podemos nomear, entre outros, os educadores Álvaro Augusto da Silva, idealizador do ICEA, Isaias Alves fundador da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Anísio Teixeira construtor da Escola Parque e da rede de escalas interioranas e Edgar Santos fundador da UFBA, que pôs a Bahia na vanguarda das artes nacionais. Possuíamos produtores culturais como Alexandrina Ramalho da SCAB, Adroaldo Ribeiro Costa da Hora da Criança, Pinto de Aguiar da Editora Progresso, Lina Bardi do Museu do Unhão, Glauber Rocha, Roberto Pires e Walter da Silveira criadores do cinema baiano e João Augusto do Teatro dos Novos. 
Planejadores como Tosta Filho, que recuperou a região cacaueira depois do craque de 1929, Mario Leal Ferreira e Diógenes Rebouças, criadores do EPUCS, Nestor Duarte que instalou colônias agrícolas de japoneses e italianos no interior e Rômulo Almeida secretario de estado, que criou a CPE e foi o idealizador do Centro Industrial de Aratu e do COPEC. Discutindo o contraditório o jornalismo combativo de Wilson Lins no Imparcial, Ernesto Simões Filho e Jorge Calmon em A Tarde, Odorico Tavares nos Diários Associados, João Falcão e João Carlos Teixeira Gomes, o Joca, no Jornal da Bahia. 
No setor privado empresários que projetaram companhias locais no plano nacional como os banqueiros Francisco Sá, Clemente Mariani e Fernando Góes dos bancos Econômico e da Bahia, construtores como Norberto Odebrecht, Chico Valadares e Otto Schep que transformaram uma construtora falida em um nome nacional e Mamede Paes Mendonça do Bom Preço.
Hoje o cenário da Bahia e de conformismo e passividade, nenhum político de projeção nacional, nenhum planejamento, nem uma oposição que cumpra o seu papel. Não temos mais bancos, grandes empresas com sede na Bahia, nem movimento cultural. Salvador, outrora comparada a Toledo na Espanha, foi destruída pela especulação imobiliária e por obras públicas contestáveis e de péssima qualidade. 
A crise de desenvolvimento do estado deriva da morte desta intelligentsia. Contestarão dizendo que o momento é outro e a crise baiana decorre da internacionalização da economia e da conjuntura regional. Não é verdade, Pernambuco e Ceará estão passando a Bahia com seus portos e serviços modernos, movimentos culturais e turismo diferenciado. 
A que se deve isto? Sem dúvida à repressão da ditadura, que na Bahia, além do caráter ideológico teve um viés personalista e de disputa hegemônica do poder econômico e social. Não apenas jovens de esquerda foram perseguidos, presos e torturados, mas intelectuais, artistas e empresários, que quando não foram presos tiveram de se exilar em outros estados e no exterior. Que o digam Emiliano José, Rui Patterson, Juca Ferreira, Joca, Joaci Góes, Luis Henrique Dias Tavares, Juarez Paraíso, Lina Bardi, Caetano e Gil, e os grupos econômicos Mariani e Paes Mendonça. O autoritarismo na Bahia não acabou em 1985. Se já não se “prende e arrebenta”, não se discute, nem compartilha as decisões. 
Em defesa da democracia precisamos constituir uma oposição que defenda alternativas, reconstruir a universidade publica como um centro de pensamento crítico e inovador, recriar núcleos de planejamento público e acabar com a submissão a um poder econômico míope, que aproveita o vácuo do estado, para oferecer projetos oportunistas sem futuro. 
*Arquiteto e Professor Titular da UFBa. 

**Artigo originalmente publicado no jornal A Tarde, 02/02/14

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